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A agonia dos sindicatos

O sindicalismo está em sérios apuros diante da revolução tecnológica, desemprego e informalidade

Sindicalistas tiveram participação desprezível nas grandes manifestações de descontentamento da década, em junho de 2013. Os protestos foram um réquiem para o governo de Dilma Rousseff, antes dela começar seu segundo mandato, e também para longa agonia das entidades sindicais. Movimentos estruturais já vinham arrancando as raízes da organização tradicional dos trabalhadores, enquanto que a vanguarda das grandes greves operárias durante a ditadura militar passara a receber seus holerites do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A ascensão de Jair Bolsonaro passou como um carro fúnebre sobre o poderio político declinante dos sindicatos. As mudanças velozes da economia fizeram o resto. Uma tempestade perfeita desaba sobre aspirações e ações sindicais no mundo e, de forma peculiar, no Brasil. Coincidiu por aqui com uma recessão brutal, o encolhimento e prostração da indústria, o fim do imposto sindical obrigatório, desemprego enorme, aumento da informalidade e a destruição das formas tradicionais de emprego provocada pela tecnologia, sobre as quais os sindicatos costumavam basear suas lutas.

Os maiores e mais atuantes sindicatos, agrupados em torno da metalurgia paulista, se formaram e cresceram principalmente na luta por salários que recompusessem a inflação galopante que prevaleceu até meados da década de 1990. A Central Única dos Trabalhadores, liderada pelo PT - contrário ao Plano Real, que liquidou a inflação - tornou-se a maior do país. Em seguida vieram outras - hoje são mais de uma dezena de centrais a disputar os sindicatos locais. O imposto sindical, repudiado pelo sindicalismo combativo, foi mantido até ser abolido em 2018 pela reforma trabalhista do sucessor constitucional de Dilma, o presidente Michel Temer.

Os sindicatos continuaram crescendo por geração espontânea, demandando e obtendo a chancela do Ministério do Trabalho, controlado por eles mesmos nos governos petistas. Mas perderam muito sua capacidade de atração. Em 2001, havia 19,5 milhões de sindicalizados. Dezessete anos depois, eram 11,5 milhões - 12,5% das pessoas ocupadas, metade dos 26% do início do século. Em todas as regiões do país, em todas as categorias de trabalhadores, qualquer que seja o nível de instrução, a taxa de sindicalização caiu, segundo a mais recente pesquisa do IBGE, divulgada no início de dezembro de 2019.

Não é uma surpresa em um país onde o Estado é gigante, que a taxa de sindicalizados no setor público (25,7%) seja hoje maior que a de todos os setores. Da mesma forma, é aí que também se encontra o núcleo mais forte da CUT, após uma migração do relativamente decadente ABC paulista para a burocracia pública. É um paradoxo aparente que, ante o único “patrão” (o Estado) que garante a estabilidade no emprego, em um país de rotatividade enorme da mão de obra, o sindicalismo do setor público ainda resista, o que não ocorre com os da iniciativa privada.

Com a proteção financeira do Estado, os sindicatos perderam o gume já durante os governos petistas. Uma era de crescimento levaria a alguma acomodação, é certo. Mas uma recessão atroz veio em seguida, a partir de 2014, e nenhuma reação ocorreu. Um governo petista, favorável aos sindicatos, sofreu impeachment, e nada aconteceu. O mais famoso ex-líder sindical do país, Lula, foi preso, e tampouco algo aconteceu.

Os sindicatos levaram novos golpes. No meio do interinato de Temer, o imposto sindical acabou com a fonte segura de sustentação dos burocratas, que vinha desde Getulio Vargas. A sangria não parou aí. A contribuição negocial, cobrada de trabalhadores não sindicalizados, foi barrada pela Justiça. As receitas das entidades desmilinguiu. No caso da CUT, com 2.354 sindicatos (Livre.Jor), desabou de R$ 62,2 milhões para R$ 3,4 milhões (O Globo, 27 de dezembro). A da segunda maior central sindical, a Força Sindical, com 1.708 sindicatos, reduziu-se a um décimo, não mais de R$ 5,4 milhões.

Motivos de insatisfação não faltam, mas as greves que ocorreram foram em menor número e com “novos” atores - os trabalhadores terceirizados. Em 2018, protagonizaram 70% das greves, claramente defensivas - contra atraso de salários, férias e 13º salário.

Boa parte das novas modalidades de trabalho flexibilizam e tornam mais produtivas a fabricação e os serviços para as empresas, mas atomizam e isolam os trabalhadores - um desafio enorme para os sindicatos de todo o mundo e mais ainda para os do Brasil, onde raramente foram fortes devido a uma parasitária dependência do Estado. O declínio da vida associativa, que se espraia pela vida social, derrubou, além da força econômica, a força política dos sindicatos. Enquanto o número de empresários e profissionais liberais aumenta na representação parlamentar, a de sindicalistas faz o caminho inverso - já foram 75, hoje não passam de 30 parlamentares.

Mas os sindicatos não são relíquias inúteis do passado. Nos países desenvolvidos são sustentáculos vigorosos da democracia e parte necessária do sucesso da aplicação dos avanços tecnológicos. Governo, empresários e sindicatos colaboraram entre si quando a indústria alemã perdeu competitividade, há alguns anos, e desse acordo saiu revigorada a maior potência industrial europeia. Os sindicatos podem organizar a transição de mão de obra de um setor a outro evitando que isso ocorra de forma selvagem - como no Brasil, por exemplo.

Com uma revolução produtiva, de um lado, um mar de desempregados e informalidade de outro e à frente um governo de direita que o desconsidera, quando não o hostiliza, o sindicalismo está em sérios apuros.

A tecnologia que trouxe às ruas, com a rapidez de um relâmpago, milhões de pessoas em 2013 pode trazer uma resposta à atomização do trabalhador. É uma promessa - até agora, há apenas desorientação nos sindicatos.

José Roberto Campos é editor executivo de Opinião do jornal Valor Econômico.